Das diversas nuances que o futebol proporciona, o palpite dos resultados dos jogos é uma das coisas que mais divertem e geram boas histórias para os torcedores. Entretanto, para um grupo de estatísticos formado por membros de diferentes universidades, esse jogo é um pouco mais sério e tem na matemática o seu maior aliado.
Desde a Copa do Mundo de 2006, eles desenvolvem modelos estatísticos de previsão dos resultados de eventos esportivos. Utilizando ciência de dados, os cientistas criaram o Previsão Esportiva, projeto em conjunto entre diversas instituições da América Latina que simula milhões de cenários e entrega as probabilidades de título em cada competição.
Os estudos utilizam diversas informações sobre as seleções para alimentar a Inteligência Artificial. Os dados objetivos são compostos pelos números dos rankings FIFA e ELO, valor de mercado de cada seleção, poder ofensivo, poder defensivo, histórico e afins. Tais indicadores representam o histórico de cada seleção, com peso maior na atuação recente. Além disso, há a parte subjetiva, que é a inserção da análise de especialistas. A partir desse conglomerado, é feita a formulação matemática e o embasamento estatístico apropriado para quantificar as incertezas sobre os resultados das partidas de futebol.
Para esta edição do Mundial, o projeto passou por alguns incrementos com relação ao que foi feito nos anos anteriores. O professor do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP em São Carlos e um dos coordenadores do Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão de Ciências Matemáticas Aplicadas à Indústria (CEPID-CeMEAI), Francisco Louzada, explica o que foi adicionado.
“Este ano trazemos mais detalhes às nossas simulações, como as probabilidades etapa a etapa, a quantidade de gols esperados dos possíveis artilheiros, além da entrega interativa dos resultados. O usuário pode trabalhar com os painéis de controle que preparamos e verificar as probabilidades e seleções favoritas em qualquer possível confronto entre as nações na copa. Nesta edição, também ampliamos a equipe, em que temos profissionais de universidades de toda a América Latina e uma parceria inédita com a empresa de educação em dados FLAI. Essas ampliações permitiram uma maior pluralidade nas atividades desenvolvidas, implementação de novas funcionalidades e uma expansão em nossos canais de divulgação”, detalha.
Neste ano, o Previsão Esportiva realizou um milhão de simulações para a Copa do Mundo do Catar. Deste montante, em 153.178 vezes o Brasil foi o grande campeão do torneio futebolístico mais importante do planeta, totalizando uma frequência de 15,3178%. Logo atrás, ficou a seleção argentina, com 12%; em terceiro lugar, a Bélgica, com 9%. A atual campeã do mundo, França, ficou em quarto, com 8%. Apesar do favoritismo, o caminho brasileiro não será nada fácil, uma vez que, quando somadas, a porcentagem para outras seleções serem campeãs é de 84,7%. Ou seja: o protagonismo existe nos números, mas passa longe de ser absoluto.
Entretanto, o modelo vai muito além de fornecer o resultado final. Através das informações, ele gera uma previsão dos resultados de todas as etapas. Sendo assim, consegue indicar as chances de cada seleção passar da primeira fase e ir avançando, etapa por etapa, até a final. Quando os jogos começam, as contas são atualizadas a cada rodada, levando em conta os placares definidos e outras situações relevantes, como um jogador importante que se machucou, por exemplo.
“A contextualização com base nos resultados que já ocorreram altera significativamente os resultados esperados em cada rodada. As partidas das primeiras rodadas já estão definindo a cara das oitavas de final da copa. Algumas das variáveis utilizadas também podem mudar durante a competição, o que também significa ajustes nas previsões. Este ano atualizaremos os números ao final de cada rodada da primeira fase e de cada rodada da segunda fase”, explica Paulo Henrique Ferreira, que também é pesquisador do CEPID-CeMEAI.
Números do Brasil
De acordo com o levantamento, o Brasil, que está no Grupo G ao lado de Sérvia, Suíça e Camarões, é o grande favorito da chave. A previsão estima que a seleção de Tite possui 63% de chance de passar em primeiro lugar, com a Suíça sendo a segunda favorita, com 37% de chance de passar na segunda posição. A Sérvia, adversária do Brasil na estreia, possui 38% de chance de terminar em terceiro lugar, enquanto Camarões tem 71% de ser o lanterna do chaveamento.
Em todos os jogos desta primeira fase, a Canarinha possui mais de 55% de chance de vencer. A IA afirma que há 59,9% de chance de vencer a Sérvia; 55,8% de vencer a Suíça; e 77,7% de derrotar a seleção camaronesa. Para o primeiro embate, a maior probabilidade de placar (14,14%) é de uma vitória brasileira por 1 a 0 frente aos sérvios.
Um número que chama atenção é a probabilidade de eliminação da seleção nacional nas oitavas de final. Dentre todas as possibilidades de derrota no mata-mata, é nas oitavas onde o Brasil possui maior índice: 28,3%. O professor Francisco, no entanto, explica que o número não é tão espantoso assim.
“Num primeiro olhar, o número pode parecer intimidador, mas é natural e esperado para uma equipe de alto padrão como o Brasil. Nós temos uma probabilidade muito alta de chegar nas oitavas e, quando se inicia o mata-mata, a dificuldade da competição muda. Por mais que uma seleção possa ser superior a outra, os jogos das oitavas em geral são difíceis e as probabilidades estimadas dificilmente passam dos 60%/40%. Veja que, apesar de estimarmos o Brasil cair nas oitavas com frequência 28,3%, estimamos também que o Brasil avance até as quartas de final em 59,6% das vezes. Ainda mais, dado que o Brasil chega nas oitavas, avança para as quartas 66,8% das vezes, segundo nossas estimativas”, afirmou Ricardo Rocha, da FLAI.
Todavia, é importante salientar que mesmo sendo este o caminho com as maiores probabilidades dentre todos os cenários possíveis, a estatística não é absoluta. O futebol, dentro de todas as suas incertezas, passa longe de ser uma ciência exata, e é justamente a partir das surpresas e momentos inesperados que o esporte e a Copa do Mundo são feitos. A Inteligência indica os cenários mais prováveis, mas eles não são completamente garantidos. Exemplo disso é que a seleção brasileira possui 38,2% de chegar até as semifinais e 24,2% de alcançar a grande final. São bons números, mas que quando vistos sob a óptica inversa – o Brasil não chegar nas semis, por exemplo, representa 61,8% das probabilidades -, eles são ainda maiores.
Para conferir todos os principais prognósticos realizados pelo levantamento, confira alguns dados apresentados abaixo. Nele, você poderá conferir os índices estatísticos do Brasil rumo ao hexo, as tendências do mata-mata e também qual jogador possui mais chance de se tornar o artilheiro da Copa. O detalhamento dos números e de todas as probabilidades estão no site do Previsão Esportiva.
Além de Francisco Louzada, compõem o projeto Adriano Suzuki do ICMC-USP; Anderson Ara, pesquisador da Universidade Federal do Paraná (UFPR); Anderson Fonseca, Gustavo Peixoto e Luciano Santana, estudantes da Universidade Federal da Bahia (UFBA); Diego Nascimento, da Universidad de Atacama, no Chile; Gean Carlos e Marcos Kunyosi, alunos do FLAI, centro de Inteligência Artificial e Data Science de Salvador, na Bahia; Luis Ernesto Salazar, pesquisador da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e do ICMC-USP; além do pesquisador do Instituto de Matemática e Estatística (IME) da UFBA e membro do CeMEAI, Paulo Henrique Silva, e o também pesquisador do IME-UFBA e da FLAI, Ricardo Rocha.
Sobre o CeMEAI
O Centro de Ciências Matemáticas Aplicadas à Indústria (CeMEAI), com sede no Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP, em São Carlos, é um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPIDs) financiados pela FAPESP.
O CeMEAI é estruturado para promover o uso de ciências matemáticas como um recurso industrial em quatro áreas básicas: Otimização Aplicada e Pesquisa Operacional, Mecânica de Fluidos Computacional, Modelagem de Risco, Inteligência Computacional e Engenharia de Software.
Além do ICMC-USP, CCET-UFSCar, IMECC-UNICAMP, IBILCE-UNESP, FCT-UNESP, IAE e IME-USP compõem o CeMEAI como instituições associadas.
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