Nos últimos meses, nos acostumamos a uma invasão de números e gráficos nos noticiários, redes sociais e outras formas de falar sobre a pandemia que imobilizou o mundo. “Achatar a curva” é uma das expressões que entraram no vocabulário popular. Podemos até não entender ao certo o que significa, mas estamos todos na torcida para que ocorra o mais rápido possível.
Na elaboração e no entendimento desses números não estão apenas os profissionais da saúde, gestores públicos, mas, especialmente, os matemáticos correndo contra o tempo com modelos e ferramentas para projetar cenários e contribuir com medidas de contenção e planejamento.
A eles, tem sido atribuída cada vez mais a difícil tarefa de prever cenários e responder incertezas como reprodução do vírus, taxas de mortalidade, impacto ou eficiência de medidas de controle e uma infinidade de perguntas diante de uma doença nova e com poucas respostas.
A modelagem computacional está no centro das atenções. Na opinião da pesquisadora do CeMEAI, Claudia Sagastizábal, há pedras enormes no caminho dos matemáticos para resolver estas e outras questões que os governos e a sociedade esperam que a matemática solucione com respostas exatas.
“Um aspecto substancial a ser considerado é que, atualmente, a pesquisa não pode fornecer números precisos e confiáveis para nenhum dos seus parâmetros. Quantos assintomáticos temos na cidade? Quantos dos óbitos acontecidos em casa tiveram a Covid-19 como causa? Os infectados reportados hoje foram testados positivos ontem, ou houve atraso ao registrar a informação? Os modelos matemáticos usam todos esses dados para fazer previsões, se os dados são falhos, o resultado será fatalmente incerto”, observa.
“Fazendo um paralelo com o prognóstico do tempo, estamos perante uma situação em que, observando as rotações de um cata-vento de papel, nos pedem para predizer quando seremos atingidos pelo ciclone bomba. Não há como ter exatidão. Mas isto não significa que o modelo seja inútil, ao contrário. Quando usados adequadamente, os modelos matemáticos são extremamente úteis para a sociedade. Devemos lembrar que um modelo não é um oráculo divinatório que desvenda o futuro na forma de um número exato. O resultado de um modelo matemático se dá na forma de um indicador de tendência para o fenômeno que se pretende analisar”, explica Claudia.
“Para a Covid-19, a partir dos dados disponíveis, podemos fazer cálculos e estimar a taxa de reprodução do vírus, com os dados disponíveis. Repetindo o cálculo com o mesmo modelo matemático cada dia, conforme chegam os novos dados, podemos determinar a evolução dessa taxa. Mesmo sabendo que os números calculados ontem e hoje serão imprecisos, podemos compará-los e observar se há uma aceleração ou desaceleração na propagação do vírus”, exemplifica a pesquisadora.
Ainda segundo ela, examinar a dinâmica da pandemia permite avaliar a situação com bom senso e clareza, com discernimento e rigor científico.
Claudia é coautora de um dos artigos de maior repercussão no país apoiado pelo CeMEAI que simula o número de vidas salvas pelo isolamento.
“Neste projeto, que apelidamos “Vidas Salvas”, a partir dessa taxa estimada definimos um indicador de quantas pessoas estamos poupando com o distanciamento social. Após um mês e meio do início da quarentena, era salva uma vida a cada quatro minutos. Um mês e meio depois, em apenas meio minuto, a medida poderia salvar uma vida. A variação aponta o avanço da epidemia no interior do país, e alerta sobre a necessidade de planejar de forma coordenada os protocolos de flexibilização”.
Os matemáticos do CeMEAI emergiram durante a pandemia da Covid-19 em vários estudos com ampla repercussão pelas suas aplicações. Demonstraram a pluralidade de soluções que a área pode oferecer.
“Fiquei impressionado e muito feliz com a repercussão do “Vidas Salvas”. É interessante como uma mudança de perspectiva, saindo do tópico de mortes para a preservação de vidas, foi capaz de trazer tanto interesse e animar pessoas a manter o isolamento social que tem sido tão importante para controlar a disseminação da Covid-19. É a matemática atuando de forma social, isso foi muito gratificante”, comentou Paulo J. S. Silva, professor do IMECC/Unicamp e autor desta pesquisa.
A relação entre a saúde pública e a matemática não é algo novo. Artigo da Revista Fapesp relembra o modelo de Bernoulli, matemático e físico holandês a quem se atribui a primeira modelagem matemática da propagação de doenças infecciosas. Em 1766, ele mostrou a eficácia da técnica de inoculação preventiva contra a varíola que matava 400 mil pessoas por ano na Europa e deixava um terço dos sobreviventes cegos.
Outras referências são seguidas até os dias de hoje como o modelo clássico elaborado pelo britânico Ronald Ross e publicado em 1910, com base em suas pesquisas a respeito da malária. Seu modelo divide a população em grupos que variam ao longo do tempo: suscetíveis, infectados e recuperados (sigla SIR).
Tiago Pereira, professor do ICMC/USP também traz contribuições importantes nesse cenário atual de pandemia. Ele junta-se a um grupo de pesquisadores que criaram o ModCovid19. Entre os seus trabalhos está o desenvolvimento da ferramenta matemática que ajuda a planejar isolamento intermitente em SP, o Robot Dance. “Constatamos que as melhores contribuições nesta pandemia foram juntando várias áreas e pessoas da matemática”.
Professores da Unesp e da USP desenvolveram outra ferramenta que utiliza matemática e inteligência artificial para predizer o número de infecções, óbitos e pacientes recuperados no estado de São Paulo. Utilizando dados fornecidos pelas prefeituras municipais e concentrados na plataforma Info Tracker, os pesquisadores do CeMEAI conseguem apontar resultados individuais para cada uma das 22 regiões do estado.
Wallace Casaca, professor da Unesp em Rosana, comentou. “A matemática é uma aliada de peso no enfretamento da COVID-19. Ela tem sido aplicada com sucesso tanto para quantificar as diferentes características e níveis da doença como para modelar a cadeia de disseminação do vírus. Por exemplo, é possível modelar a dinâmica de transmissão do novo coronavírus através de equações matemáticas que, quando aliadas a uma fonte de dados confiável, resultam em algoritmos computacionais inteiramente “customizados” aos dados da doença de uma cidade, estado ou país. Um exemplo nessa linha é a metodologia utilizada na plataforma SP Covid-19 Info Tracker, que concilia modelagem matemática, técnicas de inteligência artificial e dados acurados das prefeituras municipais de SP a fim projetar as curvas de evolução da doença para as semanas seguintes”, explica.
“Equações, indicadores e métricas matemáticas são vistas como ferramentas sólidas de tomadas de decisão por parte do poder público, pois é com base nos números da pandemia que é possível adotar tanto medidas de contenção da doença como estratégias de retomada da economia. Por exemplo, o Plano São Paulo de reabertura econômica é regido por equações matemáticas que, quando combinadas, ditam se uma determinada região irá ou não progredir de fase. Finalmente, é também por intermédio de equações matemáticas que se identifica discrepâncias nos dados para fins de auditoria e questões de transparência nos dados por parte de fontes governamentais”.
Outras pesquisas do centro seguem auxiliando no enfrentamento da pandemia como os modelos preditivos que auxiliam no planejamento e manutenção segura dos insumos em hospitais do Brasil e Argentina ou esse estudo que analisa pelo hemograma casos negativos de Covid-19 com 95% de precisão.
“A área de epidemiologia há muitos anos faz parte do portfólio de aplicações onde a matemática faz grande contribuição. Não tão eloquente quanto a pandemia, a matemática há muito tempo oferece ferramentas de decisão para campanhas de vacinação estimando o número de pessoas a serem vacinadas para o controle eficaz de doenças; logística de aplicação de vacinas; localização e densidade de aplicação da vacinas numa dada população, entre outras contribuições importantes. No caso específico da COVID-19, os matemáticos e epidemiologistas vêm alertando desde os primeiros dias para a necessidade do distanciamento social e controle de atividades. Muitas pesquisas foram realizadas dando suporte à tomada de decisão pelas autoridades. No futuro próximo, a matemática poderá ainda colaborar na campanha de vacinação e continuidade do afastamento e retorno à vida normal”, observa José Alberto Cuminato, diretor do CeMEAI.
A solução exata mesmo para o fim da pandemia depende do desenvolvimento da vacina, até lá, a matemática deixa, além de suas contribuições numéricas, uma importante mensagem: que aquilo que fazemos como sociedade pode alterar o curso de uma pandemia. Os modelos preditivos nos apontam os caminhos nessa trajetória de um futuro ainda incerto.
Sobre o CeMEAI
O Centro de Ciências Matemáticas Aplicadas à Indústria (CeMEAI), com sede no Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP, em São Carlos, é um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPIDs) financiados pela FAPESP.
O CeMEAI é estruturado para promover o uso de ciências matemáticas como um recurso industrial em três áreas básicas: Ciência de Dados, Mecânica de Fluidos Computacional e Otimização e Pesquisa Operacional.
Além do ICMC-USP, CCET-UFSCar / IMECC-UNICAMP / IBILCE-UNESP / FCT-UNESP / IAE e IME-USP compõem o CeMEAI como instituições associadas.
Raquel Vieira – Comunicação CeMEAI
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