Imaginar o mundo de hoje sem energia elétrica é praticamente impossível. A esmagadora maioria das atividades desenvolvidas pela humanidade depende dela. Porém, o que nem todo mundo sabe é que o processo de geração, transmissão e distribuição dessa energia conta com várias etapas – e é para facilitar uma delas que Luiz Felipe Migliato dedicou seus estudos durante o Mestrado Profissional em Matemática, Estatística e Computação Aplicadas à Indústria (MECAI).
A Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) é o órgão ligado ao Ministério de Minas e Energia responsável pelos leilões de transmissão de energia no Brasil. Esses leilões definem as empresas que receberão a concessão para conectar os pontos de geração de energia aos consumidores finais.
Os leilões funcionam assim: a ANEEL determina uma Receita Anual Permitida (RAP) que pode ser disponibilizada para que a concessionária forneça, por um período de 30 anos, os serviços de construção, operação e manutenção das subestações e das linhas de transmissão do lote que é ofertado. As empresas que participam do leilão dão seus lances de acordo com o desconto que podem oferecer em relação ao valor estipulado pela Agência. Um exemplo: em um leilão em que a ANEEL determina o valor da RAP em R$100 milhões para um determinado lote, a empresa A faz uma oferta de deságio – como é conhecido o desconto – de R$20 milhões (20%). Já a empresa B oferece o mesmo serviço com um deságio de R$25 milhões (25%). Neste exemplo, a empresa B seria a concessionária do lote leiloado, com um deságio vencedor de 25%.
Consciente da existência dos leilões, que são realizados na bolsa de valores B3, em São Paulo, Luiz Felipe se aproveitou dos conhecimentos adquiridos no MECAI, curso de pós-graduação oferecido pelo Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP e pelo Centro de Ciências Matemáticas Aplicadas à Indústria (CeMEAI), e criou um modelo matemático que utiliza inteligência artificial interpretada para auxiliar as empresas participantes dos leilões a conseguirem apresentar o maior nível de deságio – e, consequentemente, oferecer a melhor proposta pela concessão.
O custo da participação
Em muitos casos, para ser possível chegar ao maior deságio, uma série de ações são necessárias. É preciso realizar visitas aos locais de obras, que muitas vezes são em localidades distantes e demandam o deslocamento de uma equipe até lá. Além disso, para se obter um relatório eficaz, é importante a presença de uma equipe de topografia, a qual será responsável pelo estudo das características naturais e artificiais da superfície do local, além de outros estudos e levantamentos cruciais para a construção do processo que será responsável pela transmissão de energia.
Para que seja possível participar do leilão na B3, também existem alguns requisitos. Dentre eles, é necessário ter investimentos na carta fiança, o que torna o simples ato de participar do leilão algo muito custoso para os interessados. “Imagine que uma empresa irá participar de um lote do leilão ofertando um deságio de apenas 10% sobre o RAP. No entanto, para vencer esse lote, seria necessário um deságio de 30% ou 40%. Foi a partir desses contextos que surgiu a ideia do trabalho: desenvolver uma forma de auxiliar essas empresas participantes do leilão na tomada de decisão através do uso da inteligência artificial interpretada. A ideia seria interpretar como essas empresas conseguem chegar ao melhor deságio através de algumas variáveis macroeconômicas e técnicas sobre os lotes leiloados”, detalha Luiz.
Para alimentar e testar o modelo, o pesquisador utilizou a base de dados pública do site da ANEEL, que conta com diversas variáveis técnicas, como a região do local da obra, o nível de tensão das linhas de transmissão e das subestações,, a potência transformada do lote e outras. Luiz também acrescentou variáveis macroeconômicas, uma vez que também se trata de um investimento. “A partir da base de dados da ANEEL, acrescentei variáveis de cunho econômico como o dólar, taxa de juros, inflação. Isso porque, como estamos falando de um investimento, as informações macroeconômicas passam a ter um destaque importante. Sobre essa base de dados elaborada, fiz o uso da IA interpretada para que pudéssemos buscar e entender melhor as variáveis envolvidas no processo e sua influência nos deságios vencedores dos lotes de transmissão da ANEEL”, explica.
O método
O trabalho, orientado pelo professor André de Carvalho, do ICMC e pesquisador do CeMEAI, utilizou quatro algoritmos de aprendizado de máquina, juntamente a sete métodos de seleção de variáveis, visando possibilitar a predição da variável-alvo (deságio). Portanto, o objetivo do trabalho foi encontrar, dentre os algoritmos implementados e analisados, aquele que obtivesse o melhor desempenho na predição do deságio.
A busca por esse objetivo trouxe um fator surpresa. “Entre todas as variáveis analisadas, era esperado, por se tratar de um problema de engenharia, que variáveis como o nível da tensão ou a quilometragem das linhas se destacassem na explicação do fenômeno estudado. Porém, não foi isso que foi observado. Provavelmente por se tratar também de um problema de investimento, as variáveis macroeconômicas – taxa SELIC, inflação e valor do dólar – foram as que se mostraram mais relevantes na explicação do problema abordado na pesquisa e, consequentemente, na predição do deságio. No final, tudo vira uma modelagem financeira”, conta Luiz.
O resultado
Na etapa de treinamento dos algoritmos e geração dos modelos, foi escolhido aquele que obteve o melhor desempenho. Depois, esse modelo foi utilizado na etapa de predição com dados reais ainda não vistos. Assim como na etapa de treinamento, o resultado obtido na predição manteve-se consistente. Por fim, com base na interpretabilidade, foi realizado o ranqueamento que mostrou quais variáveis se mostraram mais relevantes para explicação do problema estudado e predição da variável-alvo. “Diante dos resultados alcançados, podemos dizer que o modelo final obtido pode ser utilizado para auxiliar o processo de tomada de decisão junto às empresas participantes nesses leilões”, esclarece o pesquisador.
Antes de arcar com os investimentos dos estudos do lote para poder participar do leilão, uma empresa participante poderá analisar as variáveis abordadas no estudo para tomar decisões com maior efetividade frente a todos os gastos e incertezas que precisaria enfrentar para participar do processo de disputa.
“A ideia é ser uma ferramenta de auxílio na tomada de decisão. De certa forma, seria simplório utilizar apenas a ferramenta para apresentar o valor de deságio, mas ela age como um suporte. Basear-se em leilões anteriores para que as empresas consigam ofertar um deságio mais interessante para aquele lote. Fazer com que elas não apenas participem, mas consigam oferecer realmente o maior e melhor desconto”, finaliza Luiz.
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